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Não há nada como...

Cafeteria IV


- Por que eu devo fazer isso mesmo?
- Dá pra parar ? Vamos você precisa de café!
A Bia é daquelas românticas incuráveis que injeta platonicidade na veia diariamente. Se eu exemplificasse a capacidade dela de romantizar certas situações acho que ninguém acreditaria em mim. Pior que isso, é ela ser uma pilantra daquelas comigo nessa situação, já que ela ia me deixar sozinha e eu ia pagar mico sem apoio nenhum daquela vaca.
-Não se preocupa, eu volto em 20 minutos e a gente vai pra Columbia depois tá? Espero chegar aqui e ver um novo casal se formando!
-E isso aqui (sinal com o dedo do meio)  você espera também?
Ela riu de mim e saiu, bom não deve ser tão ruim assim né, nao é como se eu nunca tivesse feito isso antes, ... ao menos eu tenho um propósito aqui, eu preciso de café.
Hoje até que estava com um fluxo de pessoas meio grande, eu me senti mais confortada com isso. E lá estava ele, o moço dos olhos azuis, que tinha uma marca de nascença muito discreta no cantinho da testa, que eu só vejo agora porque ele está sem boné; e que parecia muito feliz, porque ele sorria enquanto enchia os copos, fiquei curiosa pra saber se esse sorriso já conquistou muitas meninas, e então eu saquei que ele estava rindo de algo que alguém lá nos fundos (provavelmente o Bob) dizia.
Deus, de onde é este ser!
Depois desses 5 segundos em Nárnia eu voltei e estou finalmente na bancada fazendo meu pedido.
-Dois expressos com Chantilly, por favor, e esse bolo de chocolate aqui.
-Um deles é pra levar?
-O que ?
-O segundo copo, você vai levar ou está de acompanhante?
Eu pedi dois expressos?
-Ah, claro, sim. Isso. Pra levar. Obrigada.
Eu devia ir me sentar , maas dando uma de Beatriz...
-Desculpa incomodar mas... a gente se conhece de algum lugar?
-Sim, eu morei em Maceió quando criança e você também, certo?
Eu assenti com a cabeça. Um pouco devagar demais. Senti que estava fazendo uma careta macabra porque ele parou de falar por um segundo e me fitou de um modo estranho. Imediatamente me recompus, agora séria e atenta á continuidade de sua resposta enquanto ele preparava o meu e outros cafés:
-Nossos pais eram sócios na Ryder's Inc. E também éramos vizinhos. Seus pais estavam sempre na minha casa e vice-versa, quando não estavam a maior parte do tempo aquiÍamos pra escola juntos de skate e você sempre dizia...
-...que tinha raiva das pessoas me olharem estranho porque eu ia pra escola assim! Nossa! Leandro, como você está diferente! Claro que está. Wow, quanto tempo não?
Ele me fitou novamente, dessa vez um olhar meio forçado de alegria quando na verdade ele sentia outra coisa sobre tudo aquilo, sobre eu não ter lembrado dele e agora essa reação... decepcionado, talvez? Mas por quê estaria? Lembrando dele todos os nossos momentos juntos quando crianças/adolescentes retornaram à mente também, e nada pareceu me dar sensação de decepção,  pelo contrário, éramos inseparáveis, eu subornava pessoas para trocar de lugar comigo nos sorteios das duplas de trabalho quando eu não saía de dupla com ele  (todas as vezes), ele jogou tinta no cabelo da Sabrina Espinha quando ela me empurrou da escada do ônibus e eu quebrei meu pé, também íamos sempre juntos todo dia na praia durante o pôr do sol apanhar o lixo que escrotos jogavam na areia. " Estamos livrando essa nojeira do estômago das tartarugas, elas vão viver mais um dia", ele costumava dizer. Nos dávamos bem em tudo, ele era meu único amigo menino e eu era sua única amiga menina, éramos a combinação perfeita, como a música: carne e unha; almas gêmeas...
Almas gêmeas... Ooh eu entendi agora, o primeiro dia, minha festa de 12 anos... a carta...
Mas aquilo não parecia ser o que parece ser, quer dizer, eu preciso me lembrar de alguns detalhes, agora estou mais confusa do que nunca.
Por favor, pare de me olhar desta maneira.
Falei novamente. Tentando extrair de mim a mais pura gentileza e amabilidade que eu pudesse ter estando tão desorientada e envergonhada como estou agora. E esperando que fosse rápido o desfecho disso, pois com certeza 20 minutos já tinham se passado, e eu acabei pedindo pra cancelar o bolo.
-Pena que eu não tenho mais tempo de te fazer perguntas, foi muito bom te ver Leandro, e você parece muito bem, sem olheiras,  isso é bom.
Fala sério.
Ele também pareceu se esforçar para terminar isso logo de uma vez.
-Ah a rotina tem sido tranquila esses últimos meses, tudo nos eixos, tenho aprendido muito aqui.
-Mudar os ares é sempre bom. Mano termina essa conversa logo.
-Eu não poderia concordar mais, então,  aproveitem seu café.
Obrigada, Céus! Eu me surpreendi com o fato de conseguir deixar uma semente plantada no final dessa conversa, mesmo estando explicitamente embaraçada com o que acabei de ver, e ouvir e lembrar. Talvez eu seja uma cuzona mesmo. Ou eu só (instintivamente) melhore os ambientes nesse quesito (flertes).
-Eu vou, obrigada pela gentileza, vejo que você também está impressionantemente bonito por dentro. Não que eu não esperasse isso. Até mais!
Enquanto saio para fora da cafeteria penso em como sou estúpida e como cometi erros idiotas, ... acabei me lembrando dessas situações desagradáveis que nós dois éramos protagonistas, me lembrei de como fui rude com ele na primeira vez que vim aqui, e agora só estou tomando conhecimento disso e só estou me sentindo culpada porque agora me sinto atraída por ele. Eu posso me culpar, e devo mesmo,  mas não que no fundo isso seja uma surpresa. Eu sempre demorei mesmo pra sacar as coisas, instabilidade, dúvida e confusão são meus sobrenomes.
Percebi que ainda segurava o fôlego quando a Bia chega sorrindo maliciosamente de orelha a orelha para mim, eu soltei e me dirigi ao carro e obviamente não disse uma palavra, o que incomodou minha calorosa colega de quarto.
-Vai fazer a egípcia pra mim mesmo, Mel?
-É que... eu não sei se foi legal. Quer dizer.... foi... Eu acho... bom eu te conto mais tarde, ok?
-Jesus Cristo. Ok docinho, sem pressa. Vamos ler algumas centenas de páginas?

...


Por Luana Ferreira

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